O Túnel
Ela era a mesma, igual em todos os aspectos. Tornei-me por escolha própria um homem perseguido pelo destino, ignorei todos os deveres de justiça e acumulei a ceifa de vidas inocentes com o propósito de absolver o real culpado. Fugi rapidamente da sala do trono e tomei o único caminho que deveria ter tomado desde que cheguei à antecâmara: a porta que antes me tinha causado aversão era agora o meu castigo.
Abro a porta e sigo por um corredor escuro, completamente negro com excepção de uma ténue luz que resistia no fundo e que era ainda parte incerta. Corri, andei durante horas, dias, semanas, resistindo a necessidades fisiológicas e limitações físicas que em qualquer outro lugar já tinham obrigado a parar a marcha. Senti-me condenado a percorrer eternamente este trajecto escuro como breu, alimentando como válida esperança a luz que continuava a brilhar numa ínfima porção do meu horizonte visual. Parecia um castigo digno, poético até: que bela alegoria, pois, o que é a vida senão um percurso infindável pelo escuro esperando eternamente que cálida luz de todas as virtudes nos acolha no término de tal trajecto e recaía sobre nós, iluminando-nos com sabedoria, amor e aprovação? No entanto, para mim era como um julgamento divino, como se de repente acordasse e me visse despojado de toda a beleza que antes me rodeava, e fosse presente a um tribunal em que o juiz seria meu igual, como o pajem que antes me tinha servido:
- Levante-se o réu. Sabe que é acusado dos crimes mais hediondos que um ser humano pode cometer e, caso neste tribunal se deles façam prova, ficará sujeito às eternas consequências. Até creio que fosse isso que o Rei tivesse tentado fazer antes, ainda que, com uma pena muito mais suave. Mas a minha insolência estragou tudo: podia encontrar-me agora no definitivo descanso com a consciência de que já não podia remediar o que tinha feito. Hoje, neste momento teria respondido ao juiz: - Sim, tenho conhecimento dos meus actos e desejo pagar por eles da maneira que melhor aprouver a este tribunal. O que é equivalente a dizer que continuarei eternamente a andar por este túnel até expiar tais pecados.
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