A Porta do Vício
No esforço terminal de me decidir acabo por fugir, quase involuntariamente, para a parede oeste em que tomo uma direcção completamente aleatória. Atrás de mim fica a antecâmara sem respostas e vejo agora um mundo novo: o maior salão do palácio certamente, pois que, em cada olhar para apurar as suas extremidades se estende o horizonte. As suas cores são viçosas e dinâmicas e o seu mobiliário extravagante e ostentoso, pelo que é o que deparo do supérfluo alinhamento de mesas recheadas de belos frutos em todos ângulos em que me atrevo a olhar. A beleza dos aposentos fascina-me, e o ego enche-se me só de pensar que seria esta a minha recepção pelo rei carmesim, a quem o se diz que pertence a propriedade.
Assim, sem resistência (ou vendo bem, prudência) tiro uma dentada de um dos reais presentes – e deixo-me levar pelo doce sabor que inunda os sentidos, paralisando-os de prazer. Foi sem demora que acabei por desejar a experiência dos exemplares que se encontravam espalhados pelo salão fora, daí que, a única imagem que retenha do momento seguinte seja a da harmonia na disposição de todo o cenário que tinha sido exposto para o meu agrado; ou pelo menos é o que recordo antes de sentir que tinha embatido com violência numa espécie de vidro espelhado, completamente iludido pela visão de milhares de novos e excitantes sabores dispostos acolá.
Talvez o choque do desânimo ou a natureza oculta do fruto me tivessem deitado por terra, prostrado no chão de madrepérola a rezar por mais um trago do suco daquela fruta maravilhosa. O estado patético e primário que o desejo acalentava ficaria pior, ao ponto de clamar a quem ouvisse a minha completa e plena servidão ao rei carmesim, na condição de me ser atribuído o pagamento em unidades de fruta, que a pouco e pouco ia diminuindo na hipótese do rei não aquiescer ao meu pedido. A espiral decrescente de desespero em que a minha moral se encontrava era interminável…
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