quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Na antecâmara de 1001 portas: Parte VIII

A colónia/Redenção

Se antes o Rei tinha mentido sobre a existência de um espelho e tinha dito a verdade sobre a ilusão espacial inerente ao palácio, este teria certamente ignorado a sua posição sobre o tempo, tempo que tinha perdido todo o significado nos dias e noites que corri cego, surdo e mudo neste túnel.
Por fim deixei de conseguir andar, como se uma força superior tivesse a impedir os meus membros de progredir. O túnel caía sobre mim, os sons dos meus passos eram distorcidos sob a forma de uma massa fónica indiscriminável e a vista via e seguia a luz nos diversos cantos dos olhos, já não estava ao fundo, movia-se agora entre as sombras. Pensei que a loucura tinha finalmente chegado para ser mais um entrave ao cumprimento da minha pena, mas não me sentia louco: ouvia agora sons e vozes distintos, formas humanas apareciam diante de mim e eu sentia a sua orgânica.
Eram ninfas, dançavam e falavam à minha volta na cascata que tinham escolhido para sua colónia. Dezenas de caras igualmente belas decoravam a margem do rio formado pela queda de água que foi a cortina para o corredor da minha perdição. Estava livre dos pecados que nunca cometi e a redenção tinha chegado pelas ninfas que eram todas iguais como se pertencessem a um quadro mecanicamente pintado. Adormeci…


FIM

Na antecâmara de 1001 portas: Parte VII

O Túnel

Ela era a mesma, igual em todos os aspectos. Tornei-me por escolha própria um homem perseguido pelo destino, ignorei todos os deveres de justiça e acumulei a ceifa de vidas inocentes com o propósito de absolver o real culpado. Fugi rapidamente da sala do trono e tomei o único caminho que deveria ter tomado desde que cheguei à antecâmara: a porta que antes me tinha causado aversão era agora o meu castigo.
Abro a porta e sigo por um corredor escuro, completamente negro com excepção de uma ténue luz que resistia no fundo e que era ainda parte incerta. Corri, andei durante horas, dias, semanas, resistindo a necessidades fisiológicas e limitações físicas que em qualquer outro lugar já tinham obrigado a parar a marcha. Senti-me condenado a percorrer eternamente este trajecto escuro como breu, alimentando como válida esperança a luz que continuava a brilhar numa ínfima porção do meu horizonte visual. Parecia um castigo digno, poético até: que bela alegoria, pois, o que é a vida senão um percurso infindável pelo escuro esperando eternamente que cálida luz de todas as virtudes nos acolha no término de tal trajecto e recaía sobre nós, iluminando-nos com sabedoria, amor e aprovação? No entanto, para mim era como um julgamento divino, como se de repente acordasse e me visse despojado de toda a beleza que antes me rodeava, e fosse presente a um tribunal em que o juiz seria meu igual, como o pajem que antes me tinha servido:
- Levante-se o réu. Sabe que é acusado dos crimes mais hediondos que um ser humano pode cometer e, caso neste tribunal se deles façam prova, ficará sujeito às eternas consequências. Até creio que fosse isso que o Rei tivesse tentado fazer antes, ainda que, com uma pena muito mais suave. Mas a minha insolência estragou tudo: podia encontrar-me agora no definitivo descanso com a consciência de que já não podia remediar o que tinha feito. Hoje, neste momento teria respondido ao juiz: - Sim, tenho conhecimento dos meus actos e desejo pagar por eles da maneira que melhor aprouver a este tribunal. O que é equivalente a dizer que continuarei eternamente a andar por este túnel até expiar tais pecados.




Na antecâmara de 1001 portas: Parte VI

A sala do trono: o Rei

Peguei na espada, empunhei-a e procurei despedir-me da minha existência como até hoje a conheci… não fui capaz: tinha sido avassalado pelos argumentos do Rei, mas no fim, o meu corpo não se curvava perante ninguém, nem pela minha consciência. O Rei, furioso com a minha inépcia, pega na espada dele e prepara-se para degolar a rapariga.
– Mais uma vez abusas da minha contemplação, mas até tu saberás que a paciência de um monarca é curta. E puxa o corpo para trás como se procurasse conferir ao golpe a implacabilidade mais do que certa.
Se era o espaço que não valia o mesmo nos dois lados do espelho, não encontro lógica para explicar os eventos que tiveram lugar de seguida: revoltado com tamanha injustiça corri a distância que nos separava e investi sobre o déspota; cego de raiva, nem fiz caso de uma possível retaliação. Enterrei a arma pelo peito do Rei e derrubei-o sem hesitação.
Já se espalhava o sangue pelo chão quando lhe vi a cara; o meu semblante sem vida estava caído entre o manto carmesim e o chão dourado: teria acabado com a minha vida numa realidade diferente? Seria o Rei a minha pessoa ou vice-versa? Procurei dissipar as minhas dúvidas através da ninfa, isto é, se ela fosse diferente da que conheci antes, provavelmente estaríamos no mesmo plano existencial, caso contrário, tinha acabado de me matar a mim mesmo.


Na antecâmara de 1001 portas: Parte V

A sala do trono: O Espelho

Regressei desolado para a antecâmara, perguntava-me qual era o meu desígnio nesta sala, qual era saída. Esperei várias horas antes de tomar uma decisão: se não faço ideia qual é a porta que devo abrir também não fará diferença se escolher no momento; para quê ficar aqui mais tempo? Ainda assim, não parece natural chegar a uma decisão tão importante por mero acaso do destino, deveria esperar até sentir alguma espécie de inclinação, um sinal desse mesmo destino que me impedisse de o abandonar ao aleatório… Por fim abri a porta que me pareceu mais “certa”, mesmo que nada a distinguisse de qualquer outra.
A sala que a porta tentava esconder era verdadeiramente majestosa, quase Real, decorada em tons de dourado e turquesa, na qual sobressaíam um piano e uma poltrona que dava aspecto de ser feita de ouro maciço. O som do piano ecoava mesmo sem que conseguisse ver quem o tocava, a canção era perfeitamente vulgar, arrisco a dizer ambiental. No trono descansava o Rei, ao fundo da sala olhando-me tão fixamente que despertava em mim a obrigação de me prostrar sobre o chão declarando-lhe em vénia a minha eterna lealdade, ainda assim sem saber porque razão, não o fiz.
Decidi encurtar a distância que nos separava afim de conhecer a mui real persona que me havia convocado a este palácio e que tantas provações me tinha feito passar, subitamente, o Rei ordena-me em tom seco: - Pára! Não avances nem mais um passo. Ao que obedeci. – Como decerto não reparaste, existe uma barreira entre nós, se preferires, uma barreira dimensional. Não compreendi mas acenei com a cabeça. – É uma das virtudes desta enorme propriedade, que encobre o real e manipula o imaginário: pertencemos a planos diferentes mas ocupamos o mesmo tempo. Olha para trás e dir-me-ás que vês uma divisão em tudo igual onde me encontro, com excepção da minha presença. E era verdade, uma sala igual rodeava as minhas costas, mas continuei sem proferir palavra.
– Apesar de tudo o que conheces podes reparar na lógica das minhas palavras, no entanto, requisitei a tua pessoa diante de mim por uma razão: terás que responder pela violação e homicídio de uma das minhas concubinas. Nesse momento o sangue gelou-me as veias: referia-se à ninfa. – Não o fiz propositadamente senhor, ignorava que a pudesse magoar nos actos que tomei, cujo único propósito era o de satisfazer a minha sede.
– Confessas que o fizeste por satisfação, mas falas de ignorância. Diz-me: devo desculpar essa falta de conhecimentos, mesmo sabendo que a possuíste diversas vezes numa das minhas torres, já sabendo o que tinhas feito antes? Devem haver limites para a minha justiça?
– Rogo-lhe que considere que ao tempo dessas acções as imaginei apenas como delírios da minha mente. Poupe-me a alma como poupei a dela ao acabar com tais delírios.
– Não creio que possa aquiescer a tal pedido, jovem servo. Tu próprio te apercebeste dos teus erros e fizeste a tua justiça. Porque razão hei de limitar a minha? Desejas que reconheça as tuas motivações como superiores às de um rei? Não o farei… digo-te que deves equilibrar a tua permanência neste mundo com a da vida que retiraste, vais pegar na espada que se encontra no trono e com ela irás por termo à tua vida.
- Não compreendo em que é que o meu suicídio pode contribuir para o equilíbrio das vidas neste mundo, senhor, volto a implorar-lhe para que reconsidere.
– O teu desrespeito pela condição humana surpreende-me, mas satisfaço a tua curiosidade: esqueceste certamente que vivemos em planos diferentes, pois que, no meu a vida que tomaste ainda existe. E nisto a música cessa e a pianista se levanta para provar as palavras do Rei.
– Como vês, o equilíbrio terá que ser reposto, se não acabares com a tua vida, terei eu que por fim à dela.




Na antecâmara de 1001 portas: Parte IV

“também tu, parecia ela dizer-me, também tu hás-de sentir o travo desta paz e desta inquietação, perscrutando intimamente o teu próprio ser… - Tão obscuro como nós o fomos, e, como nós, erguendo-te acima de todos os ventos e mares, perdido numa imensidade que não guarda a mínima impressão, que não conserva memória alguma, que não regista qualquer notícia de vidas humanas.” – Joseph Conrad

No Céu de Todas as Possibilidades

Quase fortuitamente dirigi o olhar para oeste da nascente e através do labirinto reparei num ténue foco de luz que me indicou que não haveria de estar muito longe do regresso ao quarto. Era a entrada principal para o jardim e a minha saída airosa que estava no cimo de uma larga escadaria, que por sua vez terminava numa dupla portada de vidro. Ao entrar qual não é o meu espanto quando revejo o plácido criado segurando uma travessa com o que dizia ser a minha ceia; terminada a refeição interroguei-o sobre a localização da torre dos sonhos, ao que este replicou: É bastante simples amo, basta entrar pela única saída da antecâmara que não tem porta. Agradeci e tornei à antecâmara, mas mesmo antes de o fazer ocorreu-me perguntar: Porque não tem porta então? Se quer uma razão concreta não lhe sei dizer pois não fui eu que a construí, mas, logicamente será pelo facto de não ir dar a lado nenhum, amo.
Não compreendi (e até me questionei sobre a viabilidade arquitectónica de construir uma torre em tal palacete), no entanto, para lá continuei pelo tal arco que não tinha porta, subindo a escada em caracol até chegar à torre. Realmente foi como o pajem disse: não dava para lado nenhum; era uma minúscula sala redonda com duas janelas e sem tecto, curiosamente, encontrava-se instalada no centro da “torre” uma poltrona revestida por um tecido bastante singular, uma espécie de penugem que dava um conforto extraordinário à glorificada cadeira. O anacronismo do panorama convenceu-me a desfrutar do céu estrelado, enquanto me recostava confortavelmente na poltrona.
Senti o resto do universo pausar a sua rotina para me deixar ao leme, controlando tudo discretamente, através de um mero pensamento: Imaginei-me de novo na entrada, guiado pelo pajem através dos corredores que desapareceram num piscar de olhos para entrar na antecâmara; não entrei na sala do vício, ao invés procurei a porta que ligava para a entrada principal do jardim, voltei à clareira e lá encontrei a bela ninfa que antes tinha afugentado; enquanto me aproximava a mente borbulhava com coisas para dizer e era impossível não olhar para as suas feições delicadas, candidamente sorrindo com toda a sua voluptuosidade embrulhada num fino vestido branco – eu disse-te que nos voltaríamos a ver aqui – tanta beleza era intoxicante para os sentidos…
Tudo parecia bom demais para sentir só uma vez, pelo que tornei a pensar no ponto de partida: ainda com as emoções à flor da pele, queria distanciar-me para voltar a ser surpreendido por toda aquela panóplia de emoções, queria senti-las outra vez como se fosse a primeira, daí que no caminho para a antecâmara desviasse o olhar para recantos desconhecidos na tentativa de me absorver em pormenores aborrecidos; e aqui estava de novo na clareira, completamente rendido àquela deusa de branco – eu disse-te que nos voltaríamos a ver aqui – pousei os braços à sua volta e entreguei-me ao deleite de experimentar o toque daquele corpo quente, tão real como as estrelas no céu que se erguia na torre…
Não conseguia sequer exibir um esquisso da felicidade que estava sentir perante um quadro tão perfeito: já não via as areias do tempo escapulirem-se perante os dedos das mãos, nem o peso dos ponteiros caindo sobre todos os sonhos de jovem, silenciosamente segredando-me que a minha única oportunidade se desfazia entre receios e cautelas; podia agora repetir tudo de bom e corrigir o mal que havia feito.
Eu disse-te que nos voltaríamos a ver aqui – e tal aconteceu, a todos os segundos que a noite podia dispensar; não me queria libertar daquela doce aparência, pois aqui na cadeira não tinha que enfrentar a crua realidade que a cada esquina podia esconder uma desilusão, mais importante ainda era o facto de saber que não a voltaria a encontrar… Esses receios perturbavam-me deveras, a modos de querer concentrar-me no bater do coração enquanto pendia a minha cabeça no seu peito e já não sentir o calor que antes emanava. Atingiu-me a ideia do que lentamente acontecia, de que estava cansado de ter medo do facto que não podia manter-me na ilusão, de que tudo o que desejava estar preso às limitações dessa mente traumatizada. Foram as consequências de aprisionar o ser mais perfeito com quem me tinha deparado, foi o reflexo da minha tacanhez ao pensar que podia moldar alguém à minha imagem e ao mesmo tempo ambicionar olhar-me ao espelho. Já não consegui tocar-lhe quando o sol começou a raiar e uma lágrima foi tudo o que consegui exprimir no resplandecente funeral de uma fantasia que tentei viver.




Na antecâmara de 1001 portas: Parte III

O Jardim

As horas e talvez os dias passaram sem misericórdia na prisão de vidro onde, por auto-indulgência, me tranquei. Completamente imerso na saturação do cenário colorido onde me encontrava pareceu-me ser tocado por outra pessoa. Longos e esvoaçantes cabelos pretos voavam diante dos meus olhos, enquanto o mundo se desfazia num fresco e escuro vazio. Quando voltei a mim encontrei-me deitado numa cama de dossel envolvido em lençóis de seda e já não me sentia o desespero da sala do vício, o peso da impertinência já não pairava sobre os meus ombros. Estava num quarto de hóspede, julgando, pela ausência de personalidade, decorado apenas com a cama e uma cómoda que não destoavam da luxuosa paisagem presente em quase todo a propriedade. A maior curiosidade neste quarto era o facto de guardar uma entrada para o que seriam possivelmente os jardins do palácio; mesmo sem conhecer quem ou que me tinha carregado a esta sala, senti-me impelido a procurar refúgio nos verdes retiros.
Abri a porta e instantaneamente me deixei deslumbrar por tão belo aglomerado botânico: plantas e árvores de todos os tamanhos e feitios, guarnecidas por um cocktail de flores, cada uma de sua tez bem singular. Sem qualquer direcção definida continuei a andar, como se procurasse ser surpreendido a qualquer momento, a qualquer curva ou que algo irrompesse da vegetação; e mais cedo tivesse eu formulado esse pensamento, mais cedo teria ela passado por mim – noutro carreiro paralelo, banhada pelo leite lunar, estava uma bela figura feminina, cujos cabelos negros já antes tinham cruzado o meu olhar.
Segundos demoraram entre a aparição da mulher misteriosa por entre os arbustos e a minha reacção, mais do que previsível, de a perseguir sem hesitação: saltei desastradamente sobre onde antes vi um arbusto e agora senti um roseiral, mas, não deixei que os espinhos da paixão me atrapalhassem na demanda, pelo que me mantive na peugada até, ainda mais previsivelmente, me deparar com dois trilhos separados por uma densa e alta vegetação e aí me detive tempo suficiente para o breu da noite dar guarida à minha etérea fugitiva. Ainda assim, decidi arriscar um caminho e se algum tivesse que ser seria o da direita, pela óbvia conotação positiva. Continuei caminho por entre uma húmida e quente fileira verde escura durante não mais que cinco minutos, até encontrar uma clareira onde brilhava uma fonte cujo principal cliente era um cobertor de musgo que lutava contra a corrente na esperança de cobrir o que restava da pedra.
Após satisfazer a sede, uma voz rompeu o murmurar verdejante, como se jorrasse da bica juntamente com a água: Ousaste satisfazer dois desejos ao beber da fonte, intrépido explorador, pois ignoraste a minha forma aquosa e tornaste-me parte de ti, acarreta agora com as consequências da violação do meu ser que agora perscruta livremente a tua alma. Só me voltarás a ver na torre dos sonhos. Tal revelação deveria causar-me transtorno e perturbação, mas teve em mim o efeito contrário – mal podia esperar para nos encontrarmos na tal “Torre dos Sonhos”.


Na antecâmara de 1001 portas: Parte II

A Porta do Vício

No esforço terminal de me decidir acabo por fugir, quase involuntariamente, para a parede oeste em que tomo uma direcção completamente aleatória. Atrás de mim fica a antecâmara sem respostas e vejo agora um mundo novo: o maior salão do palácio certamente, pois que, em cada olhar para apurar as suas extremidades se estende o horizonte. As suas cores são viçosas e dinâmicas e o seu mobiliário extravagante e ostentoso, pelo que é o que deparo do supérfluo alinhamento de mesas recheadas de belos frutos em todos ângulos em que me atrevo a olhar. A beleza dos aposentos fascina-me, e o ego enche-se me só de pensar que seria esta a minha recepção pelo rei carmesim, a quem o se diz que pertence a propriedade.
Assim, sem resistência (ou vendo bem, prudência) tiro uma dentada de um dos reais presentes – e deixo-me levar pelo doce sabor que inunda os sentidos, paralisando-os de prazer. Foi sem demora que acabei por desejar a experiência dos exemplares que se encontravam espalhados pelo salão fora, daí que, a única imagem que retenha do momento seguinte seja a da harmonia na disposição de todo o cenário que tinha sido exposto para o meu agrado; ou pelo menos é o que recordo antes de sentir que tinha embatido com violência numa espécie de vidro espelhado, completamente iludido pela visão de milhares de novos e excitantes sabores dispostos acolá.
Talvez o choque do desânimo ou a natureza oculta do fruto me tivessem deitado por terra, prostrado no chão de madrepérola a rezar por mais um trago do suco daquela fruta maravilhosa. O estado patético e primário que o desejo acalentava ficaria pior, ao ponto de clamar a quem ouvisse a minha completa e plena servidão ao rei carmesim, na condição de me ser atribuído o pagamento em unidades de fruta, que a pouco e pouco ia diminuindo na hipótese do rei não aquiescer ao meu pedido. A espiral decrescente de desespero em que a minha moral se encontrava era interminável…


Na antecâmara de 1001 portas: Parte I

A Câmara

Tenho 32 anos e dou por mim assomado a um palácio, situado no meio de uma floresta tão espessa que só a sua vista eclipsa toda e qualquer especulação de que haja na realidade algo além do denso arvoredo. Quando me apronto a entrar sou instantaneamente assaltado pelo odor agradável e inebriante que se faz sentir no ar e reparo na luxuosa e delicada decoração de cetim, assim como, nos traços justos e inteligentes de toda a arquitectura de mármore branco. Todo o ambiente contrasta com o uniforme negro do pajem que prontamente se oferece para me guiar até onde sou aguardado. Chegados a uma porta de carvalho adornada por um puxador dourado, informa-me que posso continuar sozinho.
No instante que a entrada se fecha nas minhas costas confronto-me com a austeridade da antecâmara e das 1001 saídas que se alinham na sua estrutura octogonal: o fino recorte do tecido que até aqui cobria sofás, mesas e cortinados, não tinha aqui lugar; nem tão pouco a imponência dos grandes salões por onde passei… tudo parecia claustrofóbico e mesquinho perante as 1001 possibilidades que rodeavam a sala. Perdido e abandonado pelo pobre serviçal que me acompanhava, olho em todas as direcções inseguro do meu destino e eis que saem ao encontro da mente todas as escolhas que antes fiz, desde do primeiro teste na primária ao último copo de água que tomei. Sinto-me incapaz de dar um passo de tão aterrado pela desconfiança, quando noto que olho fixamente para uma porta situada caprichosamente no meio da parede norte, sem ceder um único milímetro às suas congéneres na direcção nordeste ou noroeste. A porta curvava-me com a sua rectidão, mas, quanto mais me perguntava se seria esse o caminho para abandonar tão pérfido quarto, mais as dúvidas me desfaziam…