quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Noites Brancas

Uma bailarina em preto e branco, dançando numa manhã como tantas outras por entre raios de sol dilacerados pela janela de uma sala como tantas outras. Aquela graça, uma candura inexplicável apoderou-se do teu sorriso, aquele brilho que te trouxe até mim. Tinhas tudo, a menina bonita e inteligente o suficiente para não precisar do dote familiar, independente diria eu. Pelo corredor deslizaste e a terra à tua volta fez-se em pó, que levitou no ar encobrindo a tua fuga.

As luzes brilhantes e o encanto da noite tornaram-se na nossa pista de dança, parceiros, confidentes e por fim co-dependentes. Contigo senti-me invencível, capaz de pegar no mundo e parar a sua órbita, mas era tão divertido continuar a girá-lo. Perder os sentidos e saber que acordava ao teu lado, fingir que a tua casa era nossa e adormecer na alcatifa. As 20 eram o nosso meio-dia e tu, uma bailarina em preto e branco dançando no arco-íris de néon, voaste no escuro passeando entre flocos de neve do branco mais pálido.

Intoxicado com esse ser opiáceo, falhei em perceber a tua lucidez, acreditava-te mais alucinada que eu. Os ataques de fúria, a montanha russa de humores e a mania da perseguição eram senão apelos vindos das profundezas de um lado indomesticável, puro e nuclear que te tornava tão encantadora. O desejo carnal passou a ser a nossa moeda de troca numa economia em recessão. As cores do teu bailado tornaram-se numa sombra negra deslizando numa linha branca que termina num voo directo para o abismo.

As estações passaram e a noite eventualmente transformou-se no amanhecer violento em que o sol dilacerava as janelas do que tu poupaste à minha alma. A sala acabou por parar e desistir da órbita em que nós a fizemos girar. Fui para uma casa minha e nunca mais te vi. Até um dia… em que nos encontrámos por acaso. Estavas cintilante e provocante, magnifica na forma e na textura. Como sempre não quiseste saber de mim, mas pela primeira vez deixei que outro coitado contasse os teus últimos passos na marca branca. Tu sabes… naquela estrada que vai para lado nenhum.

If you wanna hang out you' ve got to take her out - J.J. Cale

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O Filho Pródigo

Algures nesta noite escura chove numa estrada deserta que termina numa bifurcação. Dois caminhos, sem certezas. Arrisco. A vida parece um jogo que só acaba quando perdemos tudo e, não é verdade que até acabamos sempre de bolsos vazios? Podemos querer parar, mas o jogo continua e a parada sobe.

Percebo agora que nunca tive fundo para levar a aposta até ao fim, de facto, cheguei mesmo a desistir. Algures numa noite de chuva o destino entra pela porta grande e não me mostra as cartas, mas oferece-me material para ir a jogo. É teu, aproveita – parecia dizer-me. Porque haveriam as altas instâncias de financiar um tipo que vai perder? Porque quando se joga alguém tem que perder. Mas as minhas cartas são tão boas. E as do outro?

O relógio não para e a janela de oportunismo fecha-se. Chamam por mim o prémio e a audácia. Aqui estou eu preparado para ganhar e perder tudo em mais uma demonstração de subjectivismo. Não tornarei a casa para viver na glória.

Assalta-me a reflexão de quão decadente é submeter uma vida a este risco, sem graciosidade, desprovido de classe. A falta de controlo emocional que vem com o jogo e que nos cega de êxtase e ansiedade. Tão depressa o mundo se ilumina na vitória como se apaga na derrota. Não há um prazer verdadeiro nisto, só os derrotados pela vida podem esperar a ressurreição na roda da fortuna. Não há justiça na sorte e por isso as probabilidades são sempre favoráveis a quem aposta por necessidade, porque ninguém que viva pelo jogo merece ganhá-lo.

Algures na noite escura continuo a minha caminhada à chuva, com a bifurcação para trás, é agora indiferente qual a estrada que percorro. Preferi deixar cair o ponteiro e ser embalado pelo pêndulo. A riqueza chegará quando for merecida.