A sala do trono: O Espelho
Regressei desolado para a antecâmara, perguntava-me qual era o meu desígnio nesta sala, qual era saída. Esperei várias horas antes de tomar uma decisão: se não faço ideia qual é a porta que devo abrir também não fará diferença se escolher no momento; para quê ficar aqui mais tempo? Ainda assim, não parece natural chegar a uma decisão tão importante por mero acaso do destino, deveria esperar até sentir alguma espécie de inclinação, um sinal desse mesmo destino que me impedisse de o abandonar ao aleatório… Por fim abri a porta que me pareceu mais “certa”, mesmo que nada a distinguisse de qualquer outra.
A sala que a porta tentava esconder era verdadeiramente majestosa, quase Real, decorada em tons de dourado e turquesa, na qual sobressaíam um piano e uma poltrona que dava aspecto de ser feita de ouro maciço. O som do piano ecoava mesmo sem que conseguisse ver quem o tocava, a canção era perfeitamente vulgar, arrisco a dizer ambiental. No trono descansava o Rei, ao fundo da sala olhando-me tão fixamente que despertava em mim a obrigação de me prostrar sobre o chão declarando-lhe em vénia a minha eterna lealdade, ainda assim sem saber porque razão, não o fiz.
Decidi encurtar a distância que nos separava afim de conhecer a mui real persona que me havia convocado a este palácio e que tantas provações me tinha feito passar, subitamente, o Rei ordena-me em tom seco: - Pára! Não avances nem mais um passo. Ao que obedeci. – Como decerto não reparaste, existe uma barreira entre nós, se preferires, uma barreira dimensional. Não compreendi mas acenei com a cabeça. – É uma das virtudes desta enorme propriedade, que encobre o real e manipula o imaginário: pertencemos a planos diferentes mas ocupamos o mesmo tempo. Olha para trás e dir-me-ás que vês uma divisão em tudo igual onde me encontro, com excepção da minha presença. E era verdade, uma sala igual rodeava as minhas costas, mas continuei sem proferir palavra.
– Apesar de tudo o que conheces podes reparar na lógica das minhas palavras, no entanto, requisitei a tua pessoa diante de mim por uma razão: terás que responder pela violação e homicídio de uma das minhas concubinas. Nesse momento o sangue gelou-me as veias: referia-se à ninfa. – Não o fiz propositadamente senhor, ignorava que a pudesse magoar nos actos que tomei, cujo único propósito era o de satisfazer a minha sede.
– Confessas que o fizeste por satisfação, mas falas de ignorância. Diz-me: devo desculpar essa falta de conhecimentos, mesmo sabendo que a possuíste diversas vezes numa das minhas torres, já sabendo o que tinhas feito antes? Devem haver limites para a minha justiça?
– Rogo-lhe que considere que ao tempo dessas acções as imaginei apenas como delírios da minha mente. Poupe-me a alma como poupei a dela ao acabar com tais delírios.
– Não creio que possa aquiescer a tal pedido, jovem servo. Tu próprio te apercebeste dos teus erros e fizeste a tua justiça. Porque razão hei de limitar a minha? Desejas que reconheça as tuas motivações como superiores às de um rei? Não o farei… digo-te que deves equilibrar a tua permanência neste mundo com a da vida que retiraste, vais pegar na espada que se encontra no trono e com ela irás por termo à tua vida.
- Não compreendo em que é que o meu suicídio pode contribuir para o equilíbrio das vidas neste mundo, senhor, volto a implorar-lhe para que reconsidere.
– O teu desrespeito pela condição humana surpreende-me, mas satisfaço a tua curiosidade: esqueceste certamente que vivemos em planos diferentes, pois que, no meu a vida que tomaste ainda existe. E nisto a música cessa e a pianista se levanta para provar as palavras do Rei.
– Como vês, o equilíbrio terá que ser reposto, se não acabares com a tua vida, terei eu que por fim à dela.
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