Vive em mim a sombra de um optimista. Todos os dias a esperança nasce antes do sol e nunca desaparece verdadeiramente na noite, antes fica esquecida no segundo plano da memória. Quão fácil é esquece-la? Ao ponto de apagar toda a réstia de sentimento. A humanidade está tão concentrada em carregar o peso da própria existência que só conhece dor, fadiga e lamúria. Recrimino-me por viver nesse estado de espírito constante. Alternando entre a flagelação e auto-comiseração, em busca de uma felicidade que nunca chega na forma desejada. Depois recorro a artifícios para equilibrar a moral, patino no gelo até que derrete, todo o refúgio é parco e insuficiente.
Por vezes instaura-se em redor um sentimento de ligeiro temor muito suave, suficiente apenas para criar apego que noutra ocasião não existiria; apego a rotinas, a objectos, a preconceitos, a regras e à nossa própria pessoa com tudo o que isso importa. Sem me sentir desconfortável procuro a segurança absoluta, aquela fortaleza imaginária que nos prende a uma construção mental completamente auto-suficiente, capaz de desafiar toda a lógica alheia. Calculo que tenha sido desse modo que surgiram as bases – senão toda a estrutura – da sociedade em que vivemos, isto é, do desejo egoísta de uns poucos de visionários completamente cegos para o resto do mundo.
Desço pelo mar negro da noite, rodeado de pequenos focos de luz que não passam de guias para os exíguos reinados em que impera o calor de outros seres, cada um deles concentrado na segurança do seu domínio; sempre gostei de passear altivamente pela urbe, faço-o frequentemente depois da hora de expediente, porque não estou preso a horários ou porque, simplesmente, evito o contacto estrangeiro à segurança da minha ilha.
Perco-me na euforia natural que sinto ao imaginar a extensão de quilómetros que se estende por todos os quadrantes, repletos de milhares de pessoas, ignorando a cada segundo o que as trouxe até este monte de betão e ferro a que chamam mundo – pelo menos a parte dele que conhecem.
Num regime pautado pela eficiência, ao nível patrimonial e emocional, não há espaço para visões individuais que contrariem esse tipo de argumentos, diga-se, perante a promessa de um estilo de vida livre de catástrofes ou sequer a ameaça delas, quem ousaria erguer a sua voz em contrariedade? A principal premissa deste modelo é a de que se um individuo alienar conscientemente toda a sua liberdade em favor do social, tomará em perspectiva que essa liberdade voltará a si mesmo filtrada de vícios, pronta para concretizar o potencial inerente a esse sujeito. É a raça humana em toda a sua glória segurando vigorosamente as rédeas da tecnologia, da construção, da economia, em suma, do destino. E o tempo irá passar e eu fico… imutável no vácuo negro, admirando tudo e todos, iluminado pela pueril existência da humanidade.
2 comentários:
Excelente texto e excelente imagem. Identifico-me.
Tem piada que tenhas dito isto, porque tive inspiração de um post teu (o das asas). Lembrei-me que por vezes também queria ter asas e voar para desaparecer, mas no fundo já estou à parte de toda a gente à minha volta, como se tivesse a vê-los do espaço. Isso e a canção do Elton John (a versão dos my morning jacket) Rocket Man.
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