domingo, 26 de julho de 2009

Narcissus

Qual namoro à antiga, espero pelas altas horas da noite para te dizer isto, para pensar nisto, em ti e no que me fazes sentir. Durante o dia evito-te, passo-te para trás de tudo o resto que deveria ser menos importante. E já te disse que não tenho paciência para nada, ultimamente? Mas, eis que aqui estamos ou, estou – como preferires – sozinho com a minha memória de ti. Com essa vaga recolecção, distante e tão próxima ao mesmo tempo, porque, efectivamente, te conheço.

Pareço saído de um anúncio para pastas de dentes, sorrindo insipidamente, enquanto te ouço falar. A tua voz chega a mim num eco distante e tudo o resto parece oco, superficial, por comparação, ao quão pouco me interessas. “Concordo contigo, às vezes mais vale pouco que nada” – digo como se te quisesse provocar, mentalmente.

Quero que saibas que és minha – não desse modo, primitivo e ingénuo – num plano ideal. Nem sabes como ansiei por uma exiguidade do que és e, agora, que aqui estás emudeço – não te mereço. A tua beleza parece inquestionável, ainda que o fizesse, os teus cabelos loiros e olhos esverdeados antecipavam o capricho. Conversamos durante horas a fio, numa esgrima furtiva, perscrutando qualquer subtil sinal de torpor – surpreendentemente não aparece. Saíste, real, de um véu de fantasia.

Para ti devo ser vulgar, uma personagem secundária de entre tantas que te aprecem ao caminho. Eu sei disso, pois, afectas-me no mesmo. Insossa. Desinteresso-me, enfadas-me, mais que isso, podia olhar-te todos os dias e serias tão atraente como o reflexo no espelho.

Quedo-me, nessa ficção e sei-a verdadeira, mas não a sinto. Olhas-me pelas esquinas e, inexplicavelmente, espero nesse corredor de solidão. Sabendo que estás a uma aresta de distância, aguardando-me ou não – estás perto. Mas, não te procuro e permaneço, apático, inconsequente, porque és igual a mim. Já te tinha dito que não tenho paciência? Para viver só, comigo. Olhar-te seria, contemplar o meu reflexo na água, do que quero e do que faço. E para ser franco, a água está fria demais para mergulhar. Talvez, seja por isso que abra mão da qual quero, para me quedar com quem mais mereça.


segunda-feira, 13 de julho de 2009

Metástatis

Algures entre o balançar da cortina e o tique taque incessante do relógio, descobri que preciso de ajuda. Já não sou a pessoa que me esforcei tanto para ser, não estou nem perto disso. Faltam-me qualidades, sinto-me limitado. Ah e tenho dores, como chagas, lembrando-me a todo o momento que ainda estou vivo, nesta existência medíocre. “O telemóvel ainda me vai provocar um tumor no cérebro”, pensei tantas vezes. É tão difícil descansar neste sofrimento atroz. Pára. Pára! Mas nunca param…

Uma sala branca, iluminada por uma luz incandescente e tranquila, perpétua e segura. Quem me dera lá estar e poder falar com alguém, dizer-lhe que preciso de ajuda. Esquecer tudo o resto, todo o significado das coisas. Falar tranquilamente, sobre tudo, por aquilo que é e não pelo que traz. Queria sentir o universo fluir dentro de uma sala, de uma conversa, de um entendimento real entre duas pessoas.

Onde estou agora não pode ser mais longe disso. Ao fundo do corredor, um foco de luz ténue entra por uma janela, insuficiente para iluminar o chão, formando um nevoeiro negro que me arrasta pelas pernas. Sinto as raízes da enfermidade, sugando-me a força e o siso. Atirava-lhe com ferro e fogo se pudesse, mas o mal está dentro mim… é tarde demais. Esta dor é uma ilusão. São sanguessugas ansiando por vida, ajudar-me a mim seria ardósia para elas. Esperem só até perceberem que já não resta nenhuma.