Num dos nossos passeios à tarde, por uma Lisboa cosmopolita e amena, somos surpreendidos pelas autoridades. Enfiaram-nos numa ambulância e consideram-nos mentalmente debilitados. A nossa prisão é um edifício magnânimo e ameaçador, as suas paredes são de um branco amarelado e doentio, as janelas de vidro aramado estão protegidas por grades e barras de ferro pintadas de branco que separam os largos corredores, tão presentes aqui como num labirinto.
C. e eu somos encaminhados para os nossos aposentos, um espaço vasto onde nos misturamos com a população geral de doidos, maluquinhos e loucos. Todo o exterior da sala está repleto de camas e na zona central encontram-se as mesas onde tomámos a primeira refeição, enquanto "psicologicamente inaptos". Assombrado pela perpetuação deste grande mal-entendido decido deitar-me, enquanto C. se junta aos outros numa cartada. O sono invade o consciente e sonho neste pesadelo.
Encontro-me agora a recuperar os sentidos no banco traseiro de um Rover 45 idêntico ao meu, no entanto, pintado de verde escuro e em mau estado de conservação. Por qualquer motivo sei que vou a caminho do escritório e era o meu irmão do meio que me conduzia até lá. Do nada, o carro vai em andamento e o condutor desapareceu. Tento a todo o custo desapertar o cinto e passar para trás do volante antes do veículo fazer a curva direito. Sucesso. Dirijo-me agora para o trabalho, hoje estranhamente localizado numa propriedade rural.
Conto a R., minha colega, o sucedido e mostro-lhe o veículo estacionado à nossa frente. Pouco impressionada a R. prefere desviar a conversa para outro assunto mais pessoal: "Agora começo a acreditar no me disse a V., há um túnel entre nós (entre mim e elas) e todos os dias desistes de o percorrer". Com estas palavras acordo, no asilo.
O hospital está agora em silêncio e pela porta entreaberta procuro o corredor, translúcido, num tom de branco ligeiramente fluorescente, que lhe confere o luar. Caminho em direcção aos balneários e lá chego sem antes me ter deparado com o mínimo sinal de vida. Lá dentro, perscrutava na escuridão um homem estranho, de cabelo negro já um pouco para o grisalho e com uma expressão inquietantemente perturbadora. "Tu vais-me ajudar a fugir" exclamou ele de modo sibilante. Obedeci sem hesitar.
Por fim, chegamos à zona de abastecimento de mercadorias e pelos vidros vejo o carro que o esperava lá fora. Num movimento muito rápido, abre as duas portas e passa para o lado de fora, accionando o alarme. Antes de desaparecer já livre, revela-me o insano enquanto se ria, "Vês, agora mataste-me".
O sinal sonoro ecoava há alguns segundos por todo prédio e os guardas assomaram em massa ao apelo. Encostei-me a uma sombra na parede e aí permaneci à passagem deles, que não reparam em mim. Excepção para uma enfermeira, que pára em frente ao meu negro esconderijo e mostra-me um olhar de censura, como que dizendo em silêncio "a culpa é tua". "Ela sabia", pensei eu.